Achei que hoje (02/10)
faríamos uma caminhada pelo bairro da UBS e cheguei animado para isso, apesar
do calor que fazia. Nada: tinha me confundido, hoje faríamos atividades dentro
da unidade. A Aline e a Isabele foram encarregadas de se passarem por usuárias
fictícias da unidade, apresentando queixas que se enquadrariam como demanda
espontânea. O Eduardo foi designado para acompanhar o atendimento dos
auxiliares de enfermagem e, a mim, coube acompanhar um usuário ou usuária da
chegada à UBS até o final do atendimento. Atividade de sombra, nome oficial.
Fiquei um pouco desconfortável antes de começar a atividade: eu iria sombrear
ou assombrar um desconhecido?
Fiquei na porta
da UBS, sentando num banquinho, conversando com um menino que também estava lá.
Perguntei quantos anos ele tinha e ele não soube me dizer ao certo. Achava que
tinha 9. Vejo uma mãe jovem empurrando um carrinho com um bebê. Olhei para ela
e, como recebi um olhar como resposta, resolvi me dirigir a ela. Disse que era
aluno de psicologia participando de um projeto na unidade e perguntei se ela me
deixaria acompanhar seu atendimento na unidade. Ela disse que sim, muito
despreocupadamente, e eu ainda falei que era só se ela se sentisse à vontade.
“Não, tudo bem.”, me respondeu.
O filho dela
tinha 5 meses e estava com o peito carregado. Vieram fazer inalação. Ela já
tinha uma guia com a prescrição do tratamento e, ao apresentá-la na recepção,
foi encaminhada para a sala onde havia o inalador. Chamou minha atenção que a
recepção foi muito rápida, não houve nem um troca de olhares entre a
recepcionista e a mãe. Enquanto esperávamos, a mãe foi me contando que fora
primeiro “lá na USP”, onde o médico recomendou a inalação. Já era o terceiro
dia que ela vinha na UBS. A criança estava muito tranqüila e fui brincar um
pouco com ela. De repente, começamos a ouvir um choro da sala de vacinação e o
bebê ficou inquieto. Já fazia um tempo que estávamos esperando. E ficamos mais
um bom tempo ainda esperando; a mãe em pé com o bebê no colo, que agora tinha
se acalmado. Soube, nesse meio tempo, que o bebê chorava muito toda vez que
fazia inalação e que era a mãe quem aplicava a inalação, sozinha.
Quando a
enfermeira montou o equipamento e mãe foi aplicar o inalador, vi que a criança
ficava mesmo muito assustada. Tive a impressão de que ele – era um menino – se
sentia sufocado pela máscara, um pouco grande para ele, e tinha a expectativa
de que ia ficar sem ar. Ele ficava o tempo todo tentando afastar aquela máscara
com as mãos, gritando e chorando. Foi aí que achei estranho não ter nenhum
profissional para dar um apóio à mãe, que não tem muita prática com o inalador.
Depois de muito ficar assustado, o menino foi se acalmando, acho que de
exaustão, e quase dormiu.
A mãe foi
contando que acorda muito de madrugada para trabalhar em um lugar distante do
bairro em que mora. Chegava cedo em casa, pelo menos, e tinha sido esse o jeito
que encontrara para estar mais com o filho. Com ela no trabalho, o bebê ficava
com a avô pela manhã. Isso impossibilitava que a mãe fosse à UBS as três vezes
por dia que o médico recomendou para fazer inalação: ia apenas uma. Terminada a
inalação, nos despedimos e agradeci a ela por ter me deixado acompanhá-la. Se
antes de abordá-la estava desconfortável, tinha terminado de ser “sombra” me
sentindo tranqüilo, por ter tido a sensação de que não estava invadindo a
intimidade dela e que ela até tinha gostado de conversar comigo (e vice-versa).
Segui, por
sugestão da Gisela, para a farmácia, onde conversei com as duas técnicas que
estavam lá, a Patrícia e a Natalie. Foi a Patrícia quem me apresentou a
farmácia e o funcionamento do sistema. Conversei bastante com ela também sobre
o trabalho, se ela gostava, a quanto tempo estava lá, se era cansativo. Ela me
contou que às vezes tinha gente com dificuldade para entender como tomar os
remédios e que elas inclusive tinham inventado maneiras de facilitar o
entendimento, se valendo de saquinhos plásticos para separar as medicações e
figuras ou etiquetas coloridas para marcar o período do dia em que devia ser
tomadas. Apesar disso, apareceu recorrentemente na fala dela que era a
farmacêutica quem lidava mais diretamente com os usuários, tanto é que elas a
chamavam quando havia mal-entendidos e confusões. Também era a farmacêutica
quem tocava os projetos da farmácia com a comunidade. Diante desse cenário,
fiquei com a impressão de que o trabalho delas é mais isolado do que o de
outros profissionais da unidade.
Lembrei, por
conta disso, de uma situação que me contaram sobre um menino cuja escola estava
muito preocupada com ele. Ele não falava. A professora nunca ouvira nenhuma
palavra dele. Pai e mãe também não, quem sabe muito raramente. Em uma reunião
dos pais com os funcionários da escola numa instituição de tratamento que o
menino freqüentava – ele recebera o diagnóstico de autista – o porteiro da
escola estava presente. Quando soube dessa preocupação, expressou uma surpresa
total: o menino conversava todo dia com ele, na entrada, sobre futebol! Essa
história me chama atenção para o quanto os profissionais que não estão direta
ou explicitamente envolvidos na tarefa da instituição podem ter modos de
relação muito interessantes com quem freqüenta esse lugar e que, assim, podem acabar
realizando uma tarefa que não era aquela oficialmente designadas a eles.
Olá, Miguel,
ResponderExcluirGosto muito das suas reflexões sobre suas experiências aqui na UBS!
Sua bagagem na Psicologia acrescenta muito para nossos debates e proporciona reflexões fora do nosso meio usual!
até mais,
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVarias opiniões e olhares sobre um mesmo assunto (objeto) enriquecem as definições e conclusões que possamos fazer. Ver como cada um acompanha e passa pelas mesmas (parecidas) situações que eu passo é INTERESSANTÍSSIMO!
ResponderExcluirAdorei ler essa experiência, seja por eu ter feito a mesma atividade ou seja pela riqueza de informações; acho muito legal como cada um já encarna um pouquinho no futuro profissional que irá se tornar.