quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

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Olá.

Escrevo primeiro para pedir deculpas que não fui ao seminário do PET. Peguei uma gripe chatinha na quarta-feira, que só me deixou no sábado. Por conta disso, acabei ficando em casa.

Estava relendo meu diário de campo e vi que tenho um relato de visita domiciliar que esqueci de postar aqui. Lá vem ele a seguir.

Vou também tentar anexar o texto sobre intervenção de psicólogos nas escola que compartilhei com meu grupo.

Foi muito bom trabalhar e estar com vocês neste semestre.
Um beijo e um abraço,
(sei que está longe, mas: Feliz Natal e bom Ano Novo!)
Miguel

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06.11.2012

Fizemos, finalmente, as visitas domiciliares. Semana passada as atividades do projeto foram suspensas por conta da pintura da unidade e dos conflitos da polícia com o PCC. Eu e o Eduardo saímos com o Ezequias, agente comunitário, e a Andréa, enfermeira da área azul.

Fomos de carro – eram muitas ladeiras para subir – até a casa de um moça que havia acabado de ter uma filha. Fiquei impressionado que ela estava em casa com mais cinco mulheres, só mulheres, e acho que todas moravam lá. Por fora não dava para imaginar muito como seria a casa. O portão preto que tomava quase toda a fachada não prestava muito à inspiração. Quando entrei, me chamou atenção que a  casa parecei ter acabado de ser reformada. Todos os acabamentos eram novos. Era uma casa de classe média.

O bebê tinha menos de uma semana. Ele era tão pequeno! A András quem ficou a maior parte do tempo atendendo mãe e filha. O Ezequias precisava fazer a matrícula da recém-nascida, porém não podia fazê-la sem a certidão de nascimento, que o pai levara para justificar a ausência no emprego. Tanto a mãe quanto a criança pareciam bem, apesar da mãe ter se queixado de um pouco de dor ao amamentar. Lembrei de ter ouvido falar que as grávidas precisam preparar o seio para dar de mamar e que havia uma pomada ou um creme que ajudava nisso. No entanto, a Andréa apresentou uma solução caseira, o que eu achei muito interessante. Umedecer um sache de chá de camomila para hidratar o bico do seio ou usar o próprio leite para isso. Bem mais simples, não?

Seguimos dessa casa a pé, com o Ezequias. A Andréa voltou de carro para unidade. Paramos numa casa de gente recém chegada no bairro, portanto, seria uma visita para cadastrá-los na unidade e apresentar os serviços. Uma mulher muito simpática nos recebeu e nos convidou a entrar. A casa era muito mais simples do que aquela que tínhamos acabado de visitar. Entramos direto num cômodo que me pareceu servir de sala, dormitório e escritório, se é que essa denominações, que aprendi pela minha experiência de moradia, valem para uma experiência bastante diferente.

O cadastro foi sendo feito para uma espécie de celular, um dispositivo eletrônico que tinha uma ficha preparada que ia sendo preenchida com os dados dos moradores. Quando o Ezequiais perguntou quem eles procuravam em caso de doença, se UBS, pronto socorro, benzendeira... “Benzedeira?!”, a mulher estranhou e começou a rir. “Não. Aqui a gente é pastor, não vai na benzedeira não. É só médico mesmo.” Foi uma cena engraçada. Por outro lado, a mulher me contou, durante a visita, que, como pastores, eles ajudavam muitas pessoas “pela palavra do Senhor”. “Eles chegam sem esperança nenhuma, destruídos, e a gente tenta dar esperança.” Não estou trazendo essa duas cenas no contexto de crendices, sim como dois registros que apareceram no sentido de tratar de alguém e quem não são registros médicos.

Eu e o Eduardo acabamos conversando bastante com a mulher, aí que ela acabou contando do trabalho de pastora. A brecha surgiu quando ela foi respondeu, para o cadastro, qual era o seu grau de escolarização. “Agora só falta a faculdade, que se Deus quiser eu vou fazer.” A Gisela tinha instruído a gente a só observar as visitas, mas eu consigo resistir a conversar com alguém, ainda mais se eu estou na casa dela. Me sinto desconfortável se fico quieto, olhando e ouvindo tudo. Parece um posto de vigilância. Enfim, resolvi perguntar o que ela tinha vontade de fazer de faculdade. Ainda não sabia. Antes de conhecer o marido, pensou em ser oficial da marinha, porém não queria deixar a família para morar no Rio de Janeiro. Agora, considerava fazer alguma coisa com computação. Podia ser engenharia de produção também. Psicologia e medicina, olhou para mim e para o Eduardo, disse que achava não ter estrutura para isso. Mexer com a mente das pessoas. Tinha que ter preparo emocional para isso. Brinquei com ela que as pessoas também mexem com a nosso mente e que eu nunca prestaria para ser engenheiro. Ela, então, contou que achava que ser pastora também mexei muito com ela, que lidava com pessoas que chegavam a elas acabadas. “Que nem as pessoas vão chegar no seu consultório.”

Nós conversamos muito, até sobre cachorros. Ela perguntou o que nós dois queríamos fazer depois da faculdade. Eu respondi trabalhar. Com a pergunta dela, acabei descobrindo que o Eduardo tem vontade de ser médico do exército por um tempo. Dois anos, ele disse. Uau, acho que eu não gostaria de trabalhar no exército nem por dois dias. Acabamos saindo de lá convidados, os três, para irmos no culto que eles fazem todo dia das 8h às 9h. Acho que eles gostaram da visita. E que eles também gostam de serem pastores... Ah, eles tinham o filinho de dois meses, que ficou dormindo na cama, e um menino de 6 anos que ficou ouvindo nossa conversa. Ela ainda não ai para escola. “Eu fico o tempo todo aqui!” “Nem se preocupe que ano que vem você vai!”, retrucou o mãe. Acho que o menino também queria interagir com a gente: ele pegou o celular do pai e ficou quase o tempo todo tirando fotos ou filmando a gente, assim: meio escondido.

Essa acabou sendo nossa última visita. Tínhamos mais um lugar para visitar, mas a pessoa não estava em casa. Entre uma visita e outra, o Ezequias foi contando – porque eu acabei puxando este assunto – da quantidade de visitas que ele tinha de fazer por mês. Eram muitas. Num dia, acabavam sendo mais de dez. Algumas eram muito rápidas, mas ele já chegou a ficar umas quatro horas na casa de mulher que ele disse estar deprimida e falando que ia se matar. Eu me pergunto como é a relação entre as metas de produtividade e o papel do agente junto a comunidade. Na última visita, a minha presença e do Eduardo acabou abrindo espaço para a mulher falar sobre ela. Imagino que foi algo semelhante que aconteceu com a mulher que dizia querer se matar.

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