Escrevo primeiro para pedir deculpas que não fui ao seminário do PET. Peguei uma gripe chatinha na quarta-feira, que só me deixou no sábado. Por conta disso, acabei ficando em casa.
Estava relendo meu diário de campo e vi que tenho um relato de visita domiciliar que esqueci de postar aqui. Lá vem ele a seguir.
Vou também tentar anexar o texto sobre intervenção de psicólogos nas escola que compartilhei com meu grupo.
Foi muito bom trabalhar e estar com vocês neste semestre.
Um beijo e um abraço,
(sei que está longe, mas: Feliz Natal e bom Ano Novo!)
Miguel
- - -
06.11.2012
Fizemos,
finalmente, as visitas domiciliares. Semana passada as atividades do projeto foram
suspensas por conta da pintura da unidade e dos conflitos da polícia com o PCC.
Eu e o Eduardo saímos com o Ezequias, agente comunitário, e a Andréa,
enfermeira da área azul.
Fomos de carro –
eram muitas ladeiras para subir – até a casa de um moça que havia acabado de
ter uma filha. Fiquei impressionado que ela estava em casa com mais cinco
mulheres, só mulheres, e acho que todas moravam lá. Por fora não dava para
imaginar muito como seria a casa. O portão preto que tomava quase toda a
fachada não prestava muito à inspiração. Quando entrei, me chamou atenção que
a casa parecei ter acabado de ser
reformada. Todos os acabamentos eram novos. Era uma casa de classe média.
O bebê tinha
menos de uma semana. Ele era tão pequeno! A András quem ficou a maior parte do
tempo atendendo mãe e filha. O Ezequias precisava fazer a matrícula da
recém-nascida, porém não podia fazê-la sem a certidão de nascimento, que o pai
levara para justificar a ausência no emprego. Tanto a mãe quanto a criança
pareciam bem, apesar da mãe ter se queixado de um pouco de dor ao amamentar.
Lembrei de ter ouvido falar que as grávidas precisam preparar o seio para dar
de mamar e que havia uma pomada ou um creme que ajudava nisso. No entanto, a
Andréa apresentou uma solução caseira, o que eu achei muito interessante.
Umedecer um sache de chá de camomila para hidratar o bico do seio ou usar o
próprio leite para isso. Bem mais simples, não?
Seguimos dessa
casa a pé, com o Ezequias. A Andréa voltou de carro para unidade. Paramos numa
casa de gente recém chegada no bairro, portanto, seria uma visita para
cadastrá-los na unidade e apresentar os serviços. Uma mulher muito simpática
nos recebeu e nos convidou a entrar. A casa era muito mais simples do que
aquela que tínhamos acabado de visitar. Entramos direto num cômodo que me
pareceu servir de sala, dormitório e escritório, se é que essa denominações,
que aprendi pela minha experiência de moradia, valem para uma experiência
bastante diferente.
O cadastro foi
sendo feito para uma espécie de celular, um dispositivo eletrônico que tinha
uma ficha preparada que ia sendo preenchida com os dados dos moradores. Quando
o Ezequiais perguntou quem eles procuravam em caso de doença, se UBS, pronto
socorro, benzendeira... “Benzedeira?!”, a mulher estranhou e começou a rir.
“Não. Aqui a gente é pastor, não vai na benzedeira não. É só médico mesmo.” Foi
uma cena engraçada. Por outro lado, a mulher me contou, durante a visita, que,
como pastores, eles ajudavam muitas pessoas “pela palavra do Senhor”. “Eles
chegam sem esperança nenhuma, destruídos, e a gente tenta dar esperança.” Não
estou trazendo essa duas cenas no contexto de crendices, sim como dois
registros que apareceram no sentido de tratar de alguém e quem não são
registros médicos.
Eu e o Eduardo
acabamos conversando bastante com a mulher, aí que ela acabou contando do
trabalho de pastora. A brecha surgiu quando ela foi respondeu, para o cadastro,
qual era o seu grau de escolarização. “Agora só falta a faculdade, que se Deus
quiser eu vou fazer.” A Gisela tinha instruído a gente a só observar as
visitas, mas eu consigo resistir a conversar com alguém, ainda mais se eu estou
na casa dela. Me sinto desconfortável se fico quieto, olhando e ouvindo tudo.
Parece um posto de vigilância. Enfim, resolvi perguntar o que ela tinha vontade
de fazer de faculdade. Ainda não sabia. Antes de conhecer o marido, pensou em
ser oficial da marinha, porém não queria deixar a família para morar no Rio de
Janeiro. Agora, considerava fazer alguma coisa com computação. Podia ser engenharia
de produção também. Psicologia e medicina, olhou para mim e para o Eduardo,
disse que achava não ter estrutura para isso. Mexer com a mente das pessoas.
Tinha que ter preparo emocional para isso. Brinquei com ela que as pessoas
também mexem com a nosso mente e que eu nunca prestaria para ser engenheiro.
Ela, então, contou que achava que ser pastora também mexei muito com ela, que
lidava com pessoas que chegavam a elas acabadas. “Que nem as pessoas vão chegar
no seu consultório.”
Nós conversamos muito,
até sobre cachorros. Ela perguntou o que nós dois queríamos fazer depois da
faculdade. Eu respondi trabalhar. Com a pergunta dela, acabei descobrindo que o
Eduardo tem vontade de ser médico do exército por um tempo. Dois anos, ele
disse. Uau, acho que eu não gostaria de trabalhar no exército nem por dois
dias. Acabamos saindo de lá convidados, os três, para irmos no culto que eles
fazem todo dia das 8h às 9h. Acho que eles gostaram da visita. E que eles
também gostam de serem pastores... Ah, eles tinham o filinho de dois meses, que
ficou dormindo na cama, e um menino de 6 anos que ficou ouvindo nossa conversa.
Ela ainda não ai para escola. “Eu fico o tempo todo aqui!” “Nem se preocupe que
ano que vem você vai!”, retrucou o mãe. Acho que o menino também queria
interagir com a gente: ele pegou o celular do pai e ficou quase o tempo todo
tirando fotos ou filmando a gente, assim: meio escondido.
Essa acabou sendo
nossa última visita. Tínhamos mais um lugar para visitar, mas a pessoa não
estava em casa. Entre uma visita e outra, o Ezequias foi contando – porque eu
acabei puxando este assunto – da quantidade de visitas que ele tinha de fazer
por mês. Eram muitas. Num dia, acabavam sendo mais de dez. Algumas eram muito
rápidas, mas ele já chegou a ficar umas quatro horas na casa de mulher que ele
disse estar deprimida e falando que ia se matar. Eu me pergunto como é a
relação entre as metas de produtividade e o papel do agente junto a comunidade.
Na última visita, a minha presença e do Eduardo acabou abrindo espaço para a
mulher falar sobre ela. Imagino que foi algo semelhante que aconteceu com a
mulher que dizia querer se matar.